Dizem “Sara, tem cuidado com o que dizes
Lava a cara, tu não mostres de onde vens
Põe vestidos e esconde as tuas raízes
Finge lá que és senhora, tu finges bem.”
Dizem “Sara, tu usa as unhas mais curtas
Fala bom português, larga o calão
Não fales da pobreza, da noite escura
Ganha quem tem poder e não coração.”
Mas no meu bairro eu vejo prédios de todas as cores
Que gritam ao mundo “o pobre há-de sempre ser pobre”.
No meu bairro vejo gente, sei dos seus horrores
E que quem vem da rua é sempre nobre
Eu venho do bairro
Da janela conto as estrelas
Não sou de mais lado nenhum
Eu sou de Chelas
Dizem “Sara, a maquilhagem ‘tá carregada”
Dizem “Sara finge lá ser o que não és”
Mas disso eu já sei tudo e estou cansada
Trago o fado na voz e ténis nos pés
Dizem “Sara, tu sorri, sê mais comedida
Cumprimenta os senhores, faz-me o favor.”
Mas o fado que eu canto, canta-me a vida
É a voz de quem nasce filho da dor
E no meu bairro eu vejo prédios de todas as cores
Que gritam ao mundo “o pobre há-de sempre ser pobre”.
No meu bairro vejo gente, sei dos seus horrores
E que quem vem da rua é sempre nobre
Eu venho do bairro
Da janela conto as estrelas
Não sou de mais lado nenhum
Eu sou de Chelas